segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A máscara: uma disciplina de base no Théâtre Du Soleil

A máscara: uma disciplina de base no Théâtre Du Soleil

Ariane Mnouchkine

 (...) Utilizamos a máscara porque ela rapidamente se impôs. Se atores que querem improvisar no teatro contemporâneo não encontram rapidamente os meios de tomar uma certa distancia a fim de chegarem a uma forma, correm o risco de se atrapalharem de caírem no psicológico, no paródico, na derrisão e em outras armadilhas que nós queríamos evitar. Percebemos que a mascara impunha um tal trabalho sobre o signo teatral, sobre a maneira de representar as coisas, que ela constituía uma disciplina de base e esta disciplina tornou-se indispensável para nós.(...)
Nosso objetivo era encontrar uma forma que nos permitisse um dia fazer, no mais completo do termo, uma tragédia sobre nossa historia atual, a mais contemporânea possível. Aliás nós não trabalhamos apenas com a máscara, utilizamos também o que achávamos que sabíamos a respeito do teatro chinês, do teatro asiático, com máscaras ou não. O objeto-máscara representa efetivamente um ponto de referência muito preciso, mas há personagens que não usam máscaras e que utilizam o mesmo tipo de atuação; sem utilizarem-se de máscaras, alguns atores encontraram para L’Age d’or personagens que combinam muito bem com os personagens mascarados.(...)
(...)Eu diria que a máscara é nossa disciplina de base porque ela é uma forma e qualquer dorma impõe uma disciplina. O ator produz no ar uma escrita, ele escreve com seu corpo, é um escritor no espaço. Pra, nenhum conteúdo pode exprimir-se sem forma. Existem várias formas, mas talvez para alcançar-se algumas delas, haja uma única: disciplina. Acredito que o teatro é um vaivém entre o que existe de mais intimo em nós, de mais ignorado, e sua projeção, sua exteriorização máxima em direção ao publico. A máscara requer precisamente esta interiorização e esta exteriorização máximas.
 Um certo tipo de cinema e de telivisão habituou-nos ao “psicológico”, ao realismo, ao contrário de uma forma, portanto,ao contrário da arte: dispomos os atores num cenário, mas o palco não lhes pertence realmente. Enquanto que, com a máscara, eles criam seu próprio universo a cada instante.
As grandes tradições teatrais, as grandes formas de representação utilizam a mascara( da tragédia grega aos teatros orientais) e a música( salvo a commedia dell’arte). Em Ricardo II o músico ensaiou conosco desde o inicio, ele elaborava sua musica  a partir do trabalho dos atores.
No Théâtre Du Soleil, praticamos muito os exercícios com máscaras expressivas’para nós a máscara constitui a formação esencial do ator. A partir do momento em que um ator “encontra” sua máscara, ele está próximo da possessão, ele pode deixar-se possuir pelo personagem, como os oráculos. Alguns sufocam, literalmente, ficam sem voz, sem olhos, sem corpo, aniquilados pela máscara. Outros a atravessam e esta travessia é dolorosa. Pede-se a eles que sejam “visionários” que encarnem poemas, imagens, visões, eles devem levar em conta tanto o  mundo exterior- aquele no qual se passam a peça e o espetáculo- quanto o seu mundo inferior- o do personagem.
É uma tarefa cansativa, que não deixa intactos nem seu corpo, nem sua alma, uma tarefa atlética para o corpo, a imaginação, o coração e os sentidos.
 As máscaras de carnaval que tínhamos usado no filme Moliére eram completamente diferentes. O Carnaval é uma transgressão, ele contém um germe de provocação mas deve conservar um mínimo de ritual e de ordem, se ele ultrapassa os limites, desaparece. Numa cidade, num vilarejo, é importante que as pessoas se preparem com grande antecedência para este dia de transgressão, que se reúnam, que passem um ano refazendo máscaras que passam de geração em geração. Para os atores, a máscara situa-se num outro plano, no interior de uma comunicação.
No teatro, o corpo inteiro é a máscara.
Não se pode dizer que o fato de usar uma máscara acarrete um ritmo particular. É o personagem-a máscara que adquire seu ritmo interior, suscetível de variar segundo o estado ou a emoção. Também não se pode dizer que a utilização da máscara imponha tal ou tal movimento da cabeça e do pescoço.
A partir de Ricardo II e das máscaras articuladas de Erhard Stiefel, afeiçoamo-nos à madeira: paradoxalmente este material parece-nos mais próximo da carne que o couro-talvez porque ele estaja mais longe dela. Stiefel teve que evitar qualquer ressonância e qualquer alteração da voz. Se houver modificações da voz, elas devem provir do ator e não serem provocadas pela máscara.
Nunca pensamos em usufruir de algo já adquirido no domínio da máscara. A maior aquisição é saber que não há aquisições.

Fonte: Entrevista a Odette Aslan, dezembro de 1982
(trad. De Clarice e Fátima Saadi)

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